quinta-feira, novembro 29, 2007

Resgate Cultural


Já é Carnatal e a cidade assume seus ares de inabitável.

O populacho transita opiado pelas ruas.

Agora há mais um assunto, além da neurose futebolística.

Os carros entulham as ruas e todos vão na mesma direção para lugar nenhum.

O retórico e democrático mal-gosto dá o tom.

São “ulelelês” e “ae-aês” entrecortados de batucadas ensurdecedoras.

A massa manobrada, o povo-gado, o cardume-humano, reduntantemente quer anunciar o que não precisa de arautos.

Dias antes, a cidade estaca em fealdade.

São tapumes, palanques e arquibancadas erguidos por todos os lados. Pequenos comércios se estabelecem com duas linhas cal no chão. Ruas, postes e pessoas se mudam, como se chegasse um furacão.

Para transitar, dormir e trabalhar, pedimos vênia ao Carnatal.


Mesmo com séculos e séculos de diferença, Carnaval e Carnatal têm a mesma finalidade: uma concessão do poder dominante para o povo celebrar suas festas pagãs.

Não vejo mais qualquer semelhança. São duas expressões culturais, mas apenas uma tem valor cultural.

Luxúrias e licenciosidades à parte, no Carnaval ainda se aprende alguma coisa com o enredo desenvolvido, há história, beleza, sonoridade, preciosismo… enfim, arte.

Já a bagagem cultural do Carnatal é inversa: aquela enorme procissão atrás do carro de som, aquele desfile social de vaidades, que toma as poucas ruas que temos, em nada me acrescenta, além da vontade de conhecer outros lugares fora daqui.

Não há explicação, justificativa ou qualquer realização nesse acontecimento; apenas o lucro de poucos e a dor de cabeça de vários.

O único resgate cultural do Carnatal é a reafirmação daquela máxima universal: “o seu direito termina onde começa o meu”.