Diz a lenda que o padre Priestley, descobridor do “oxigênio”, anotou em suas pesquisas: “Acabei de descobrir um gás novo. Até agora, apenas eu e meus ratos o respiramos”. Mal sabia o padre Priestley que havia respirado aquele gás por toda a sua vida.
Nunca me esqueci dessa história porque ela me levou a refletir que a graça do óbvio não é dizer o que todos já sabem, mas mostrar o que estava diante dos olhos e ninguém percebeu até então; de informar o que todos não sabem que já sabiam e que agora só é óbvio porque você falou.
É por isso que o filósofo leva vantagem, pois percebe o mundo à sua volta de uma maneira que as outras pessoas já não conseguem mais porque se entregaram à perplexidade. Para elas tudo ficou comum, tudo ficou óbvio, já sabemos de tudo que nos cerca, não há mais o que se questionar, não há mais novidades.
Digo tudo isso pra justificar também dizer o meu óbvio sobre o problema do trânsito nas cidades. Acredito que muitos já tenham percebido, mas não se deram conta de que é possível sintetizar a questão numa simples proporção matemática: gentileza / gente lesa. Explico.
O caos no trânsito pode ser explicado por um fenômeno bastante freqüente na atualidade e que ali ganha proporções quilométricas: o baixíssimo índice de atos de gentileza, de camaradagem, de solidariedade e de fraternidade, em nome da esperteza, da cortada, da distração, do egoísmo, da mesquinhez, da megalomania e do egocentrismo. A pura e simples pressa para atrasar os outros.
Ao mesmo tempo, temos um acentuado índice de pessoas destituídas das mínimas condições cerebrais de conduzir a si próprios, quanto mais a um veículo em velocidade entre tantos outros.
Eis o meu óbvio: a situação do trânsito decorre da injusta desproporção entre o que se faz e o que se deveria fazer; entre a gentileza e a gente lesa.
Boa sorte a todos que praticam a gentileza, pois certamente não participam da outra metade do problema.