É tão bom brincar de Deus.
Poder julgar as pessoas sem dó nem piedade.
Ser o primeiro a criticar e o último a elogiar.
Não ter reservas de nossos atos quando se trata do outro.
Começar a autocrítica pelo próximo e esquecer de nós mesmos.
Ter forças para enfrentar, mas fraquejar ao dar apoio.
Só abrir a boca pra falar mal e que o silêncio trate do resto.
Ser indulgente e generoso somente consigo próprio.
Esquecer que o dedo que aponta para o próximo está sobre três em nossa direção.
É muito bom brincar de Deus nesse pequeno universo chamado “meu-mundo”.
Em “meu-mundo”, eles reinam e são onipotentes.
Lá é a terra onde nada tem compromisso com nada, onde não se presta contas a ninguém, onde o sol sempre está a brilhar, pois nuvens não se colocam sobre suas cabeças.
Não é à toa que dizem: “quer conhecer alguém? Dê-lhe um mínimo de poder e ele se mostrará”.
Um dia esses tiraninhos levantam a cabeça e têm um vislumbre diferente.
Vêem o “seu-mundo” tão “mundinho”, tão pequeno.
Algo chacoalha o “seu-mundinho” e eles se questionam se esse mundinho é tão universo assim.
Quando esses sóis não brilham mais, quando esses minutos de poder passam, quando os “seus-mundinhos” ficam microscópicos diante da tamanha cegueira; passam então a enxergar o “algo mais”.
Em época de “ensaio sobre a cegueira”, faço uma reflexão e abro os olhos.
Vejo cegos saindo de um vazio existencial e caindo num buraco na vida.
Vejo os cegos pelo poder não poderem mais nada.
Vejo olhos bonitos e luminosos que não têm nada por trás.
Vejo os tiranos dos “mundinhos” enxergarem o quanto nada vêem.
Mas vejo também o quanto fui cego.
Não via a falsidade, os verdadeiros interesses, a manipulação.
E me dou um desconto. Desconto porque sou ingênuo, de bom coração, de pensar o melhor de todos sempre.
E sei que quem erra assim, na verdade não erra, mas acerta errando, e expurga suas próprias cegueiras, abrindo as vistas para outros planos.
Sei também que no “mundo onde todos enxergam de verdade” isso é o que verdadeiramente conta.
Boa sorte aos que têm consciência das próprias cegueiras, pois isso já é enxergar.