terça-feira, junho 03, 2008

O ser e o não ser


“Ser ou não ser?”; perguntava Hamlet, na peça de Shakespeare.


Hoje somos nós que nos deparamos com esse dilema todos os dias. Só que há algo de mais grave que Shakespeare quis dizer e que ainda não compreendemos.


Na língua inglesa, o original é “to be, or not to be?”. Para eles o verbo “be” é muito mais amplo do que a nossa tradução limitada ao “ser”. O autor não se restringia apenas ao “ser”, ele queria dizer também existir, estar ou acontecer.


Quando nós congelamos diante das situações da vida, nos perguntando o “ser ou não ser”, na verdade estamos nos privando também do existir, do estar e do acontecer. A reticência se mostra muito mais grave quando traduzida corretamente.


Em verdade, não há situação da vida que não traga uma alegria e uma tristeza correlacionadas e indissociáveis. Vivemos uma vida dual, numa realidade dual. Não há ônus sem bônus, tempestade sem bonança, mal que não traga um bem, perda sem compensação, escuridão sem luz.


Tentarmos nos privar de alegrias, porque elas podem nos trazer eventuais tristezas, é o mesmo que não viver. Procurar um caminho que contemple um e não o outro, é o mesmo que não tomar nenhum deles, pois estão intimamente ligados. Enquanto não nos decidimos, ficamos frustrados, atônitos, perplexos e vazios, tanto quanto quando escolhemos um dos caminhos pensando estarmos livres do outro.


Apenas quem vive em sua plenitude encara a vida ciente da presença da dualidade: merece a alegria porque enfrentou a tristeza e enfrenta a tristeza pela a alegria que veio ou virá.


Desse modo, o vacilo criado pelo “ser ou não ser” é muito mais danoso do que pensamos. Ficar no “ser ou não ser” é o mesmo que ficar entre o “sentir ou o não sentir”, o “não se alegrar ou não se entristecer”, o “existir ou o não existir”; enfim, entre o “viver ou o não viver”.


Boa sorte a todos aqueles que compreenderam as duas faces da realidade existencial chamada vida e não vacilam em vivê-la em sua plenitude.


Para ser grande, sê inteiro:

Nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.

Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha

Porque alta vive.

Fernando Pessoa
(Ricardo Reis)

4 comentários:

Suedja disse...

Shakespeare é realmente fantástico, tanto que toda sua obra é extremamente atual, por isso mesmo sou fanzona dele. O "to be or not to be, that's the question" resume de maneira genial toda a história da filosofia ocidental, que sempre oscilou entre "afirmar" e "negar", desde a Grécia Antiga... É como sempre digo, os clássicos são clássicos! Parabéns pelo post! Bjs bjs bjs

Unknown disse...

TIVE AUSENTE POR ALGUNS DIAS...
E AGORA Q VOLTO ME DEPARO COM UMA POSTAGEM DE TAL NIVEL, SÓ TENHO Q PARABENIZAR MAIS UMA VEZ PELAS ESCOLHAS DOS TEXTOS E, PRINCIPALMENTE, PELA SUA VONTADE DE DIVIDIR...
OBRIGADA!
BJU

Unknown disse...

Alan,

andei lendo seu blog e me deparei com este artigo: "Terça-feira, Junho 03, 2008 . O ser e o não ser". Essa pergunta feita por Shakespeare em seu personagem Hamlet é super interessante para se refletir. Mas poucos sabem (o que acho que não é o seu caso) que, a muito tempo atrás, antes mesmo do próprio Shakespeare essa pergunta já foi respondida.
Heráclito, aproximadamente por volta de 504 - 501 a.C., afirmou que, por sermos descendentes de uma essência una (incluo todos os seres nesse rol), temos os opostos como fundamento de existência. Afirmou mais ou menos o seguinte:

Cada coisa tem sua natureza explicitada pelo seu oposto, de forma que não saberíamos o que é a justiça se não fossem as injustiças, nem apreciaríamos a saúde se não conhecêssemos a doença, nem sequer sentiríamos prazer com o repouso se não fosse o cansaço. De maneira que a realidade de alguma coisa encontra no seu oposto aquilo que lhe contrasta e lhe define. A unidade entre esses opostos forma uma harmonia-discórdia.


“É uma e a mesma coisa: o vivo e o morto, o acordado e o adormecido, o jovem e o idoso; pois, pela conversão, isso é aquilo, e aquilo, convertendo-se por sua vez, é isso”. (fragmento 88)


Interessante, não!?

Kal-El disse...

Gabriel, não sabia não... de jeito nenhum.. mas com seu comentário lembrei de Mao Tse Tung, ao afirmar que tudo que existe traz em si o gérmen de sua própria destruição. Forte não?
Muuito obrigado pelo coment!